Pressão por prazos, solidão e jornadas exaustivas: essa é a rotina de milhares de caminhoneiros no Brasil. A realidade da profissão vai além das estradas e impacta diretamente a saúde mental desses trabalhadores, conforme apontam especialistas e autoridades do setor.
Voz da estrada: relatos dos motoristas
O caminhoneiro Emerson André, conhecido como “Facebook”, está há 16 anos na estrada:
“Tem muitos motoristas ficando doentes, porque o estresse do cotidiano cansa. A família cobra que você não está em casa, e você acaba perdendo muita coisa.”
Já Daniel Lima, o “Del Caminhoneiro”, com 26 anos de profissão, ressalta os desafios de manter a calma:
“Às vezes a tensão na estrada é constante. Mas, com o tempo, você aprende a controlar os momentos de raiva ou estresse.”
Saúde mental entra nas normas trabalhistas
Essas questões passaram a ser consideradas na atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Agora, todas as empresas devem identificar os riscos psicossociais que afetam seus trabalhadores.
Segundo a neurocientista Barbara Lippi, fundadora da Moodar:
“Não basta apenas prevenir acidentes físicos. As empresas precisam olhar para fatores que afetam o bem-estar psicológico, como estresse, fadiga e sobrecarga. O foco não é a saúde individual, mas os riscos do ambiente de trabalho que levam ao adoecimento coletivo.”
O prazo para adequação das empresas é de um ano.
“Apagão de motoristas” e envelhecimento da categoria
De acordo com o procurador do trabalho Paulo Douglas de Moraes, a saúde mental é hoje um problema estrutural no setor de transporte rodoviário:
“A falta de mão de obra está ligada a fatores subjetivos, como estresse e desgaste psicológico, o que vem sendo chamado de ‘apagão de motorista’.”
Outro ponto de alerta é o envelhecimento da categoria: a média de idade dos caminhoneiros é de 46 anos, e os jovens demonstram pouco interesse em ingressar na profissão.
A dificuldade de falar sobre saúde mental
Para Alan Medeiros, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, existe uma barreira cultural:
“O caminhoneiro dificilmente expõe problemas psicológicos. É comum relatar dores físicas, como nas costas ou obesidade, mas falar de saúde mental ainda é visto como sinal de fragilidade.”
Pesquisas comprovam o impacto da jornada
Um estudo conduzido pela psicóloga Michelle Engers Taube, com 565 caminhoneiros, mostrou que a jornada de trabalho extensiva é o fator mais prejudicial à saúde mental.
O psiquiatra Alcides Trentin Junior, da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), reforça:
“Dirigir profissionalmente deve ser reconhecido como uma profissão penosa, pelo desgaste físico, químico, biológico e mental.”
Um desafio coletivo
Apesar dos avanços, a saúde mental dos caminhoneiros ainda é minimizada pela sociedade. Para os especialistas, é urgente reconhecer que o transporte rodoviário depende de trabalhadores que, muitas vezes, sacrificam sua qualidade de vida em nome do abastecimento do país.